domingo, 31 de maio de 2015

O real é confuso, um universo escancarado.

O real é desagradável. É confuso. É caótico. É fluxo. O pensamento funciona no confronto com o real, e a função do real é um modo de estabilização dos fluxos no quadro de relações sociais. A perda da função do real pode levar aos mais diversos delírios. O isolamento, o fechamento e a impotência são sintomas da atomização que se realiza pelo afastamento que é uma defecção diante de uma atitude ativa de dar forma à confusão, a confusão que grassa no universo existente, um universo escancarado.

O trabalho de dominação e o controle do discurso.

O trabalho de dominação passa pelo controle do discurso na forma da opinião pública, todavia, o fato da opinião pública permanecer um fenômeno difuso, fragmentário e contraditório nas suas formas de atuação é revelador de como não se pode tomar a opinião pública como se ela fosse uma entidade independente do seu modo simbólico de produção e recepção de sentido no contexto de comunidades em luta.

Um quiproquó.

Quando o que está em jogo é o sentido de existência da própria coletividade, mudanças nas condições materiais de existência não são capazes por si só de infletir a direção da luta simbólica. Isto reforça a ideia de que as formas de opinião social não refletem diretamente posições da estrutura socioeconômica. No Brasil, hoje, o problema central da luta política é o problema da boa vida, a significação e os acessos da boa vida, de quem pode ou não compartilhar da boa vida, de quem define ou não o que seja uma boa vida. É um quiproquó.

O direito à existência

Estamos enredados em uma cruel armadilha, nesses tempos em que nossos perfis são postos em exposição na lógica das redes sociais, para controle social em rede, e ninguém parece escapar de ser alvo da armadilha e de também prepará-la para o outro. Consiste no seguinte a armadilha: julgar o caráter de alguém por um detalhe aparente e superficial, que permitiria uma leitura da psicologia de profundeza do eu. É nesse julgamento peremptório do caráter de alguém, de modo projetivo, onde necessidades projetivas impregnam a percepção negativa do outro, que algumas categorias de pessoas são rotuladas como não tendo direito à existência.

Campo de possibilidades para o saber

Música, poesia e espontaneidade humana. Amor, generosidade e igualdade humana. Conhecimento, curiosidade e perfectibilidade humana. Humildade, diferença e tolerância humana. Sentimento, paixão e corporalidade humana. Amizade, simetria e coletividade humana. Matéria, energia e heterogeneidade humana. Individualidade, reflexividade e pensamento humano.

Opinião pública não existe

O trabalho de dominação passa pelo controle do discurso na forma da opinião pública, todavia, o fato da opinião pública permanecer um fenômeno difuso, fragmentário e contraditório nas suas formas de atuação é revelador de como não se pode tomar a opinião pública como se ela fosse uma entidade independente do seu modo simbólico de produção e recepção de sentido no contexto de comunidades em luta.

Brubaker

A própria teoria é um habitus. As apropriações práticas de ferramentas de pensamento, os próprios métodos de pensar, o uso dos conceitos, os esquemas de visão sociológica, enfim, um campo de práticas a que se liga uma disposição sociológica. Todavia, não se pode esquecer da ambivalência epistemológica que carrega o habitus científico (nota de leitura, ajuda memória para a aula, se a gente não anota, a gente esquece).

Socioanálise e psicanálise.

A relação entre socioanálise e psicanálise me interessa cada vez mais. Não seria incorreto, a meu ver, dizer que Bourdieu, Giddens e Elias são freudianos, cada um a seu modo. Três sociólogos amarrados ao campo da escuta analítica das relações sociais. A escuta da dimensão inconsciente das escolhas, do exercício do poder e da relação do eu com a camada nós. Mesmo a reflexividade de um self atuante emerge do campo social dos desejos inconscientes. Uma hipótese de leitura. O método: de um lado, uma forma ativa e atenta de escuta, disponibilidade concentrada para compreender a pessoa do interlocutor, respeito pela singularidade de cada caso particular, entendimento da linguagem, entrada nos pontos de vista, nos sentimentos e nas formas de pensamento do interlocutor; de outro, a busca de conhecimentos sobre as condições objetivas comuns à categoria de pessoas a que pertence o interlocutor; e também favorecer ao longo da entrevista ou conversação a intensidade expressiva dos relatos de experiência e das reflexões feitas pelo próprio interlocutor sobre seu universo de pertencimento (cf. Bourdieu).

O lugar social

O lugar social opera com a linguagem do pertencimento. O lugar é o lugar dos pertencimentos, o lugar da pessoa. A própria pessoa é o lugar. O lugar da fala, do desejo, da expressividade simbólica, o lugar da privação e das respostas imaginárias a ela, o lugar das fantasias, o lugar absoluto, que é o corpo, o lugar fora de lugar, que é também o corpo. O conceito de lugar é sociologicamente central. O de entre-lugares também. O controle social é o controle público da fala que opera a partir do lugar, refazendo-o a cada dizer.

Crime como expressividade

Uma questão tem me intrigado. Se a criminalidade é uma produção social e se nas concepções da tradição romana e também da tradição judaico-cristã a fundação do Estado está baseada num crime primordial, por que então os crimes institucionais estão sendo tratados como crimes de personalidade? Outra questão tem me intrigado também. Os termos em que se organiza o discurso do crime, tanto no universo de ilegalismos populares como no dos ilegalismos dominantes, são cada vez mais definidos em função de um campo semântico centrado na noção de "amizade". Tanto o andar de baixo quanto o andar de cima da estrutura criminal brasileira tem recorrido a metáforas de parentesco e afinidade para se enunciar: "irmão", "amigo", "família", "parceiro" etc. A questão da confiança e da amizade faz com que o crime se expresse como figuras representativas de personalidades coletivas. O crime é uma expressividade simbólica também. É um modo de relatar as relações sociais. Ademais, as atividades criminais geram novas classes proprietárias, o crime é a revolta do destituído no desejo da propriedade e do mando, o crime no universo de ilegalismos populares. Mas o raciocínio também é válido para os já proprietários que, no crime, no universo dos ilegalismos dominantes, aumentam fortunas, poderes e constroem novas respeitabilidades, a respeitabilidade do cabra temido, que possui representantes na estrutura do Estado. Um fato muito antigo na sociedade brasileira.

sábado, 30 de maio de 2015

Hipótese para uma teoria das condutas estratégicas.

Na análise dos custos de oportunidade, na perspectiva da escolha na margem, a teoria da ação racional precisaria estar funcionando no quadro de uma teoria mais abrangente da ação simbólica. Afinal, projeções e fantasias inconscientes, bem como expressividades simbólicas de pertencimentos sociais são investimentos que fazem do desejo um mecanismo imediatamente sociológico, algo que não vem antes, nem depois, pois máquinas desejantes e máquinas sociais estão em pressuposição recíproca.

Fantasias coletivas e análise social

Tenho me interessado pelo modo como fantasias de desejo de coletivos orientadas para os mais diversos objetos de consumo cultural podem desconectar pertencimentos ligados aos autointeresses de grupos de pessoas, fazendo com que os indivíduos mergulhem no investimento nas figuras subjetivas imaginárias, de uma comunidade de fantasia, em detrimento de vínculos sociais efetivados no contexto concreto da interação social onde se negocia o sentido da vida social. Em vez de tomadas de posição frente ao conjunto de interesses do grupo de pertencimento, os indivíduos projetam-se no fechamento de um desejo narcísico. E assim as percepções sociais da realidade social se desconectam de suas bases efetivas, gerando posições subjetivas de impotência e isolamento. Fantasias de desejo possuem nexo com circuitos de frustrações, como discute Freud. As percepções sociais do que seja a realidade da privação na vida real são um fonte decisiva para a compreensão da estruturação da vida coletiva. Como ensinava Robert Redfield, a análise da estrutura social é a análise das expectativas sociais. O que se pode esperar? O que se realiza entre as circunstâncias restritivas que incitam em um sentido e não em outro o funcionamento das capacidades agentivas? Neste abismo entre circunstâncias e sonhos de realização, situa-se o problema da identidade social, como recurso de identificação que estabiliza o fluxo dos desejos, crenças no confronto com o gozo ilimitado.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Compreensão, conhecimento e poder.

Compreensão não é o mesmo que conhecimento. Conhecimento sem compreensão é um conhecimento que esteriliza a capacidade crítica e reflexiva. Existem conhecimentos domesticados orientados para a gestão da ordem e existem conhecimentos selvagens orientados para o fora da ordem. O pensar é fora da ordem. Não é à toa que o controle político sobre a atividade do pensamento é permanente. Apesar do controle político do pensar, o pensar sempre escapa, pois sua qualidade própria é a fuga (no sentido musical) e os controladores do pensar, por falta de afinidade com a própria experiência do pensamento, não entendem as modulações da fuga que caracterizam o pensar humano. O pensar humano não é um objeto fácil para o conhecimento domesticado da ordem. O pensamento humano está fora do controle.

Pensar está fora de controle.

Compreensão não é o mesmo que conhecimento. Conhecimento sem compreensão é um conhecimento que esteriliza a capacidade crítica e reflexiva. Existem conhecimentos domesticados orientados para a gestão da ordem e existem conhecimentos selvagens orientados para o fora da ordem. O pensar é fora da ordem. Não é à toa que o controle político sobre a atividade do pensamento é permanente. Apesar do controle político do pensar, o pensar sempre escapa, pois sua qualidade própria é a fuga (no sentido musical) e os controladores do pensar, por falta de afinidade com a própria experiência do pensamento, não entendem as modulações da fuga que caracterizam o pensar humano. O pensar humano não é um objeto fácil para o conhecimento domesticado da ordem. O pensamento humano está fora do controle.

Mas, afinal, qual é a solução?

Não há solução sem esforço de compreensão. A visão simplista sobre os problemas sociais faz parte do problema e não da solução. Quando se rejeita a atitude de pesquisa, a busca de um pensar crítico e reflexivo, um pensar de modo complexo a complexidade do mundo social, baseada em pesquisas empíricas sistemáticas, quando se rejeita isso, como se fosse "perda de tempo", como se fazer pesquisas a fim de ampliar o entendimento fosse falta de "realismo" ou de "pragmatismo" da vida acadêmica, gostaria de lhes dizer que isso faz parte do problema. A rejeição da pesquisa sistemática, teoricamente bem orientada, é um grave problema de falta de percepção do lugar que o saber ocupa no processo de transformação da realidade e das visões açodadas pelo imediatismo do "qual é a solução", que, na prática, é uma adesão fácil aos repertórios dados, que são parte do problema, uma vez que estão cegos para a elaboração de novos campos de perguntas, sem o que não há possibilidade de novas respostas ou "soluções", que não sejam o mais do mesmo. Sinto muito, mas sem pesquisa séria, coletiva, continuada, sistemática, não há solução para a ansiedade do "qual é a solução", ansiedade no fundo expressa o sentimento de pessimistas contumazes. No fundo, quando se cobra soluções imediatas para problemas históricos e complexos, essa cobrança ou é fruto do sentimento de impotência ou da mera ignorância, simplesmente. Um campo de soluções transformadoras não é algo que se possa desenvolver sem trabalho, como num passe de mágica. A demanda por solução rápida, imediata e sem questionamento de problemas é uma demanda por magia, por soluções mágicas, é uma projeção fantasiosa de ansiedades e angústias. E, ademais, é uma visão que não consegue perceber que solução é um bem muito raro, posto que exige muita atenção, muito trabalho, muita massa crítica. Se não há soluções, pode-se afirmar que a coletividade está trabalhando muito pouco para forjá-las. A solução é o fruto do trabalho. E não estou falando do "vamos arregaçar as mangas e fazer", pois, afinal, só somos capazes de fazer o que está informado pelo campo de problemas que alcançamos. Se vamos arregaçar as mangas e fazer de acordo com o que já conhecemos, muito provavelmente vamos reproduzir o mais do mesmo. Se colocamos uma equipe com pessoas muito práticas, muito pragmáticas, juntas para resolver problemas, elas em geral apresentam as mesmas soluções que já experimentaram antes, que é justamente o que faz parte do problema. Minha aposta é na imaginação criadora de um novo campo de problemas, para mim, isso é a solução mais pragmática, o uso da imaginação criadora, do pensamento crítico e reflexivo, da pesquisa empírica sistemática e da construção coletiva de saberes orientados para a transformação de velhos problemas e velhas soluções. Novas soluções exigem novas problematizações.

domingo, 24 de maio de 2015

O conceito de realidade: uma reflexão epistemológica.

É importante não esquecer que, do ponto de vista das ciências, a realidade é um conceito. Sem o conceito de realidade com o qual se opera, não há apreensão de fluxos empíricos e de entidades empíricas que tenham sido resultantes de alguma força inercial ou de corte que as estabiliza de modo dinâmico. A realidade é uma modelização teórica baseada na construção de fatos científicos no confronto com o universo dos eventos reais. Ocorre que os eventos reais tornam-se pesquisáveis quando diferentes níveis de integração criam uma escala de menor ou maior complexidade para cada nível da realidade empírica, que nunca é dada, apenas pressuposta como dada. A própria escala é um instrumento heurístico. E a natureza do real é problemática. Se a natureza do real não fosse problemática e se, igualmente, não fosse problemático o processo de compreensão do real, não haveria vida num sentido biológico, antropológico e sociológico.

sábado, 23 de maio de 2015

CONTRA O MÉTODO

Há uma força nos discursos, tanto de eficácia simbólica quanto de eficácia performativa, que atua como um poder causal na construção da vida coletiva, o poder causal dos discursos, levando em consideração, é claro, que se opera na multicausalidade e com sistemas de causação circular, quando se trata do mundo social. E o sistema é aberto, a-centrado, reticular, segmentar, transformacional, portanto, conectado a um campo de historicidade que o produz e é produzido por ele num regime de pressuposição recíproca.

FORMAS DE CONSCIÊNCIA E PRODUÇÃO DA DIFERENÇA NA VIDA COLETIVA

As formas da consciência social não refletem as condições materiais de existência. Segundo Marx, as formas da consciência social são portadoras de uma complexidade que envolve um abismo entre circunstâncias que determinam e capacidades agentivas de criação de novos contextos, o que o autor chama de práxis. A concepção praxiológica do devir histórico, para Marx, não pode prescindir jamais da ideia segundo a qual as formas da organização das atividades sociais com suas linguagens operam como forças produtivas, de modo que não há relação extrínseca entre relações sociais de produção e desenvolvimento das forças produtivas, uma vez que a organização social humana é a principal força de produção e não o seu corolário, como asseveram as leituras reducionistas do materialismo vulgar. A superação da dicotomia materialismo e idealismo foi a grande tarefa a que se impôs o sociólogo Max Weber, que considerava Marx e Nietzsche os dois pontos de partida obrigatórios da análise social moderna, do mesmo modo que Hannah Arendt, na sua crítica a Marx, afirma que este é o inventor do método sociológico.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A vida social na forma de condomínio.

A hipótese que penso ser mais interessante para adentrar no universo de transformações estruturais do capitalismo contemporâneo está baseada na ideia segundo a qual o problema da ordem social está sendo resolvido em torno da categoria "condomínio", a vida social em condomínios. São constelações de condomínios interconectas por mecanismos de mercado, onde a prestação de serviço e os fluxos de bens relacionados às trocas entre condomínios privados atua como forte fator de exclusão relacional. A teoria do capital humano, em suas diversas versões, é um dos esquemas mais atuante na construção de percepções de mundo que põem os desafios públicos em suspensão na medida em que os problemas sociais são concebidos para funcionar cada vez mais no âmbito de arranjos privados de proteção, vigilância e controle das vias de acesso que interconectam hierarquicamente, segundo critérios de classe, raça e gênero, os condomínios e as constelações de condomínios, adotando como princípio de organização geral a desigualdade de capitais como forma de atuação de um sistema aberto segmentar reticular. A forma da vida social como Estado, a vida social estatal, é rivalizada pela forma condominial da vida social cada vez mais privatizada, ou seja, privada da relação de simetrização com formas de alteridade. A hierarquia de condomínios privados, celebrada contratualmente sem passar pelo reconhecimento do Estado como fonte do direito, é um dos fenômenos sociais mais relevantes que emergem em várias configurações socioespaciais distribuídas no plano mundial. A hipótese que penso ser mais interessante para adentrar no universo de transformações estruturais do capitalismo contemporâneo está baseada na ideia segundo a qual o problema da ordem social está sendo resolvido em torno da categoria "condomínio", a vida social em condomínios. São constelações de condomínios interconectas por mecanismos de mercado, onde a prestação de serviço e os fluxos de bens relacionados às trocas entre condomínios privados atua como forte fator de exclusão relacional. A teoria do capital humano, em suas diversas versões, é um dos esquemas mais atuante na construção de percepções de mundo que põem os desafios públicos em suspensão na medida em que os problemas sociais são concebidos para funcionar cada vez mais no âmbito de arranjos privados de proteção, vigilância e controle das vias de acesso que interconectam hierarquicamente, segundo critérios de classe, raça e gênero, os condomínios e as constelações de condomínios, adotando como princípio de organização geral a desigualdade de capitais como forma de atuação de um sistema aberto segmentar reticular. A forma da vida social como Estado, a vida social estatal, é rivalizada pela forma condominial da vida social cada vez mais privatizada, ou seja, privada da relação de simetrização com formas de alteridade. A hierarquia de condomínios privados, celebrada contratualmente sem passar pelo reconhecimento do Estado como fonte do direito, é um dos fenômenos sociais mais relevantes que emergem em várias configurações socioespaciais distribuídas no plano mundial. Além da Cidade de muros, da Teresa Caldeira, que inaugura várias discussões, o projeto de pesquisa da Cristina Patriota, intitulado Proliferação Global de Áreas Residenciais Muradas, é interessantíssimo. E há muito mais literatura boa sobre isso para quem tem interesse no tema.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Desejo, gozo e corpo: notas de leitura.

Não há experiência humana sem desejo revelando-se no inconsciente. Não há desejo sem sua emergência na linguagem. A linguagem inconsciente. A enunciação na relação de fala, na sua gagueira, nos seus tropeços. No campo da linguagem, a fala como desejo do Outro. Mas como é possível um discurso sem palavras? O sintoma não pode ser apenas analisado como o lugar de uma incapacidade. O sintoma possui uma dimensão problemática que tange a possibilidade do exercício da imaginação criadora, sem o que não há novos contextos. Em vez de uma ordem simbólica excessiva, que reduz a contingência da fala, pensar os modos de gozo na relação com o corpo, a linguagem e o saber. Que tipo de impasse revela o gozo? Qual o lugar de dominância do gozo na estrutura das relações de fala ou das relações como estrutura? Quais são as maneiras de lidar com o gozo? Como superar o desejo de poder no modo de lidar com o gozo? O corpo sofre perturbações causadas pelo gozo. Os outros apenas podem nos estimular, mas não nos satisfazem, pois há um ir além na direção da superação da falta ou de sua anulação e isso nos faz adentrar num modo de gozo excessivo que só pode ser estabilizado pela linguagem. O desejo é uma forma para a fluidez do gozo e sem o corte desejante não há economia do gozo. O desejo pode ser pensado como uma atividade. É uma forma de fazer. Há um trabalho do desejo. Trabalhar o desejo como forma de relação com o prazer e a evitação do desprazer. O desejo como uma relação com o gozo, o desejo como performance, como ritual e erotização liberada pela forma que corta o fluxo do gozo ilimitado. O corpo aprisiona e incita a uma relação com a morte. A afirmação da diferença é o principal objeto de controle social. Como então pensar os corpos como heterotopias, como corpos em fuga (no sentido musical)? Lembrei do livro que Samuel Beckett escreveu sobre Proust. As modulações do eu. As modulações musicais do eu.

Sociabilidade, lazer e Rousseau em Sennet.

As pessoas quando tentam agradar umas às outras estão jogando, investindo em suas reputações à revelia do cultivo individual da virtude, estão no jogo incessante do agravo e do agraciamento, na busca de participar com sua imagem de personalidade, com seu perfil, do tipo de circulação que o capital excedente torna possível na vida social da metrópole. Fama, reconhecimento, reputação e validação para os modelos de comportamento estilizados adotados para agradar aos outros nos jogos de poder, prestígio e influência. E nesse jogo frívolo, de futilidade em futilidade, os seres humanos perdem-se a si mesmos no infinito tédio da dependência mútua sem obrigação mútua que caracteriza a vida burguesa no universo do lazer pelo lazer.