segunda-feira, 30 de março de 2015

Sobre os fatos.

Os fatos não existem, pois os fatos são teimosos. Os fatos resistem à veleidade humana de descrever fatos como fatos, como se os fatos existissem independentemente dos atos de percepção dos fatos. Os fatos não existem, portanto, como entidades independentes da cognição e do pensamento humanos. Em qualquer apreensão humana dos fatos, há uma teoria subjacente aos fatos, que faz com que os fatos só possam ser pensados e conhecidos através de fatos discursivos. E os fatos discursivos são inseparáveis dos fatos. Há uma pressuposição recíproca entre fatos discursivos e os fatos. O acesso humano ao fato é a construção do fato. O fato não é dado. E até os dados são produzidos. No contexto de produção dos dados, os dados são tratados como objetivos. Se há uma objetividade, é a objetividade dos dados. Mas a objetividade dos dados é uma questão de método, ou seja, de modo de caminhar no trato do dado, que não é simplesmente coletado, uma vez que a coleta é uma ferramenta seletiva e teoricamente orientada. Os fatos científicos são construídos, orientados pelas interpretações teóricas implícitas ou explícitas, sobre a base metodológica da produção de dados, como o campo de objetividade (positividade) para a emergência de um campo de saber correlato, que lhe é coetâneo. A racionalidade não é universal, é histórica, guarda uma pretensão de universalização, todavia, os processos de universalização estão inseridos no campo da historicidade. O transcendental, para não falar sequer da transcendência, que é uma entidade abstrata tratada como se fosse concreta, uma hipostasia do real, uma entidade pseudoconcreta, reificada, enfim, o transcendental é uma forma transcontextual de agir humano. A variação empírica contínua é confrontada pelo pensamento que lhe impõe fixidez, e a fixidez do fluxo gera a estabilização meramente abstrata do fluxo. O fluxo propriamente dito, que é inacessível ao pensamento conceitual, afinal, o fluxo é sem essência, é a pura confusão, o caos, a força destruidora de qualquer estabilidade pretendida. O transcendental é o deslocamento de uma forma de racionalidade, de um contexto a outro, gerando pretensão de universalização. É o pulo do gato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário