quinta-feira, 1 de maio de 2014

Onde está o crime?

Se tudo é crime, então, nada é crime. Se o crime da ordem não é tratado como crime, por que então tratar o crime da desordem como crime? Crime é produzido por quem diz o crime com chances altas de ser reconhecido como sendo a palavra de ordem capaz de dizer o crime. Então, qualquer um pode ser do crime, basta para isso que palavras de ordem sejam acionadas para dizer o crime do outro. Qual o pior crime? Não reconhecer que se faz parte da origem geradora do crime? Liberar o crime para quem defende a ordem contra o crime? Proibir o crime para quem defende uma vida sem lei? Não há vida sem crime onde há liberdade? Não há crime onde a liberdade é um crime, apenas estado de exceção. Uma sociedade livre, essa possibilidade de uma monstruosa utopia, demoníaca, contra a liberdade, em nome da liberdade, é mais ou menos perversa do que a liberação de matar sem crime, de matar impunemente, conferida pelo Estado de paranoia a seus grupos executivos perversos? Pode-se morrer de ordem, nesse caso a ordem é o crime. Também se pode morrer de desordem, nesse caso a desordem é o crime. Não há crime fora de uma relação tensa entre ordem e desordem. Afinal, o crime, além de mobilizar a maldade nos humanos, também impede a realização outra da agressividade que passa pela criação de novos vínculos, o que não se faz sem destruição de vínculos passados, cristalizados. A mobilidade absoluta é o mal? A fixidez absoluta é também o mal? A negociação certamente não é o bem, muito menos o bem comum, é uma tergiversação em torno da impossível justiça, o que não quer dizer que não seja útil negociar. Será que a sociedade brasileira não está precisando abrir uma ampla negociação com o crime? Onde está o crime? Em toda parte, ou seja, em lugar nenhum. Poderia ser esse um ponto de partida? O reconhecimento de que não somos o crime, pois ninguém pode ser o crime, pode apenas agir de tal modo que o crime se lhe apegue, mas pespegar o outro no crime não é uma tarefa fácil quando estamos todos no crime, esse crime horrendo com que a ordem nega a si mesma, lançando-se para fora da ordem da Lei.

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