sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O real como devir.

Não é possível definir peremptoriamente o que seja o real. Qualquer definição pressupõe uma estabilização do real na forma de estado de coisas. Todavia, dizer algo sobre algo não é uma tarefa simples. Dizer algo sobre algo é pressupor que é possível ver algo, há uma metafísica nessa pretensão de adequação entre espírito e coisa. Wittgenstein discutiu muito bem isso na sua crítica da filosofia. Apesar disso, pode-se partir de uma noção heurística do real como fluxo, real como devir e isso pode ser útil metodologicamente, o que não quer dizer que o problema da ontologia histórica desapareça. Fluxos das falas, fluxos de desejos, fluxos de impulsos, fluxos de crenças, fluxos e mais fluxos: o fluxo do real. A forma do fluxo, a fixidez no fluxo, a esquematização dos fluxos, a elaboração do fluxo, o trabalho de enquadramento dos fluxos, os recortes de fluxos: o fluxo do pensamento. Maneiras de agir intrinsecamente ligadas a maneiras de pensar: devir. Não resolve o problema, pois se algo é construção cultural, se é preciso afirmar isso, significa que algo não o é. E o que não é construção cultural? Todo o real é uma construção cultural? Nem realismo, nem nominalismo. O nominalismo histórico é uma boa solução para a análise histórica, mas não o é para a física. O conceito de realidade da mecânica quântica opera com um relativismo diferente do das ciências sociais. Perspectivismo? Bruno Latour fala ironicamente de um realismo radical, que leva tão a sério o real que busca entender a produção do real. Les modes d'existence. Construtivismo ou construcionismo? That's the question! A natureza natural é imanente? A percepção cultural da natureza varia, mas a natureza natural varia em função desta percepção cultural? São questões, apenas..Nenhuma resposta. Sim, para o mundo sociocultural e histórico das coletividades humanas. Sim, do ponto de vista da história e das ciências sociais. Mas há um problema. Os fatos não existem, ok. Isso não quer dizer que todos os eventos sejam simbólicos. A crise da representação pode levar à solução pós-moderna. Não sei se ela é suficiente. Afinal, as estruturas não são reais, mas os sistemas são. A fronteira entre eventos reais e eventos imaginários é tênue, opaca, confusa, mas se há fronteira, há uma dimensão real e uma dimensão imaginária. Lembro de Foucault dizendo: Saber não é poder, se fosse, não haveria duas palavras, uma para poder e outra para saber. É a mesma coisa. Mas concordo plenamente que a análise sociocultural e histórica não usa o "mundo real" como padrão referente. Não tem sentido isso. Os fatos científicos são meros constructos. Whitehead discutiu isso. O primeiro Wittgenstein também discutiu isso e desistiu de buscar correspondência entre estruturas mentais e estruturas do mundo que garantissem os estados de coisas.

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