sábado, 2 de fevereiro de 2013

O autor como produtor

A ideia de criar este novo blog surgiu a partir de uma releitura bem recente do texto O autor como produtor, de Walter Benjamin. Na verdade, trata-se de uma conferência de 1934 e que foi incluída no volume 1 das Obras Escolhidas da Editora Brasiliense, com tradução de Sérgio Paulo Rouanet. E anoto aqui esta informação adicional sobre o tradutor do texto para registrar uma coincidência. A primeira vez que li este texto, quando era ainda estudante de graduação em ciências sociais, entre 1993 e 1996, no mesmo curso onde hoje ensino, foi também quando tive a oportunidade de assistir algumas aulas do Sérgio Paulo Rouanet, que veio à Fortaleza, à convite do departamento, mas, principalmente, do professor Manfredo Araújo de Oliveira. O debate realizado em sala de aula sobre as relações entre ética, antropologia e razão comunicativa foi muito importante para que nós compreendêssemos o que estava em jogo, como estudantes, em toda essa discussão que se realizava em torno da suposta e propalada "crise de paradigmas" das ciências sociais, debate influenciado pela recepção das discussões de Thomas Kuhn no Brasil. De 1993 para 2013, eu havia praticamente esquecido e engavetado os textos de Benjamin. Não estava mais interessado ou não via interesse em operar com esse autor. Enfim, estava mergulhado em profundas trevas. A iluminação para essa retomada das leituras de Benjamin veio para mim em boa hora. Estava precisando oxigenar as ideias. Foi por influência de colegas que em artigos que citarei em outra ocasião estão propondo retomada da relação Benjamin e a antropologia, mas, foi principalmente por que ao ler Força de lei, de Derrida, este texto praticamente me obrigou a retomar relação perdida com Walter Benjamin. A criação do novo blog talvez tenha a ver também com uma necessidade de reorganização das atividades de trabalho, ímpeto tão comum quando iniciamos um novo ano letivo, mas, sobretudo, tem a ver com o fato do meu outro blog, o Arquipelago, que venho usando desde 2006, ter ficado confuso demais, o que quer dizer que fui eu quem ficou confuso demais ao misturar tantos gêneros textuais num mesmo lugar. Então, este blog veio para desonerar o peso dos assuntos acadêmicos que também vinha postando lá no Arquipelago. É uma limpeza, espero que no bom sentido terapêutico indicado por Wittgenstein como sendo a tarefa da filosofia da ciência, mas que não seja uma limpeza no sentido negativo de uma higienização do pensamento, afinal, estou longe de querer abraçar qualquer forma de cientificismo ou de purismo em relação ao lugar que a "ciência" ocupa frente às outras formas de conhecimento. Como também já salientou Wittgenstein, os manuais de metodologia ou das formas canônicas de fazer ciência, em geral, apresentam uma forma idealizada da produção do conhecimento científico, quando as coisas são muito mais caóticas do que imaginamos. Tendo feito essa rápida contextualização e justificativa, a fim de iniciar o novo blog, quase uma questão de etiqueta e boa educação, gostaria de pontuar algumas ideias que o texto do Walter Benjamin suscitou em minha mente. (1) "o problema da autonomia do autor". A questão da liberdade do ato de escrever o que se quiser. (2) a pergunta sobre como uma obra literária se situa dentro das relações sociais de uma época, nos ajudando portanto a pensar as "relações literárias de produção" e o tema da "técnica literária" como estando ligado ao da superação da oposição forma-conteúdo. (3) A relação da posicionalidade dos intelectuais no processo produtivo e a exigência de se pensar na produção não como reprodutor e fornecedor de produtos para o consumo, mas como um autor produtor que refuncionaliza os meios literários de produção. (4) a discussão em torno do conceito de literarização das relações sociais e das condições de vida. (5) a relação entre confronto, interrupção e montagem na redefinição da posicionalidade do autor enquanto produtor, a reflexão como ato de "refletir sobre sua posição no processo produtivo". Enfim, há outros pontos importantes no texto, mas busquei registrar apenas estes para desdobrá-los, em outro momento, pois me parece um lance interessante discutir a relação entre trabalho de campo e etnografia como fazeres literários próprios diante desses problemas. Se a fusão de gêneros, ou como diz Geertz, a mistura dos gêneros, é a bola da vez (desde 1950, pelo menos, isso vale para a música, não sei se para a antropologia), o que importa nisso é fazer uma reflexão mais apurada sobre a noção de fusão, ao contrário do interesse quase completamente absorvido pelo problema dos gêneros, o que me parece ser um modo de permanecer bebendo da fonte de legitimação intelectual que o debate formalista empresta ao campo acadêmico de estudos literários e culturais nos EUA, principalmente, e para nós, situados perifericamente nas periferias da distribuição internacional do trabalho intelectual, afeitos aos mimetismos dos nossos centros de fantasia, também.

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