terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A superação do temor do contato e a antropologia.

Se o contato com o desconhecido é algo que provoca temor, se distâncias foram criadas para instituir fronteiras movidas pelo temor do contato, se a aversão ao contato nos impede de caminharmos tranquilamente entre as pessoas, se até mesmo nós nos fazemos massa para inverter o temor do contato, para fechar o contato frente ao outro, e até aqui estou seguindo de perto o argumento de Canetti, pode-se afirmar que o antropólogo, ao contrário do medo suscitado pelo contato com o estranho ou, ao menos, contrariando esse temor pela busca do contato com espaços de diferenças culturais, é alguém que exerce a título de profissão a condição de estranho, um estranho profissional, para usar a instigante expressão de Roy Wagner. Essa ideia de estranho profissional, e é preciso lembrar de O estranho, de Freud, possui uma força impressionante para minha visão do que seja o pesquisador de campo, é uma noção que provoca em minha imaginação de pesquisador a mais intensa reviravolta quanto à determinação do lugar que ocupamos nesse ofício que exige que nos lancemos ao sabor do contato com os outros, à deriva no contato com o outro, pois se trata de uma variância frente a outra variância, algo que tem menos a ver com destemor ou com aventura, mas com um exercício constante de controle do medo, que é o modo como Hannah Arendt nos aponta o que há de específico no atributo do corajoso. Não é, portanto, sem temor, não é como destemidos, que os antropólogos se lançam nessa, quem sabe, aventura controlada de suas pesquisas de campo, mas como corajosos relativos, ou seja, como estranhos que se postam profissionalmente entre estranhos específicos, particulares, como forma de obter um conhecimento mais interessante e por que não dizer mais geral sobre os seres culturais que a antropologia estuda. Como diz Arendt, "a pluralidade é a lei da Terra", estar entre pessoas, estar na pluralidade de condições que fazem as pessoas e os coletivos a que pertencem é o topos da própria antropologia, essa ciência do engajamento, como nos lembra Tim Ingold, quando busca se desfazer da incômoda noção de um observador não-observado, que é um tema muito importante também para a teoria antropológica da comunicação, desenvolvida por Gregory Bateson. A questão do inter homines esse é a questão central da posicionalidade do trabalhador de campo, na luta contra a linguagem, com a linguagem, a sua e a dos outros, em cujo campo de diferenças permanece indefinidamente tecendo a relação entre ser um recém-chegado no mundo social que pretende pesquisar e permanecer um estranho para esse mesmo mundo social e, principalmente, para o seu próprio, pois o antropólogo, do ponto de vista de sua própria cultura, será sempre suspeito de ser um traidor, um espião, despertando a desconfiança própria que se dirige a qualquer elemento que se ponha como tarefa realizar a missão impossível de uma tradução intercultural.

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