domingo, 3 de fevereiro de 2013

A micropolítica do saber, políticas de existência e a socialidade contra o Estado.

Terceira margem. O pensamento do fora. A arte de viver livre. Diferenças como morais possíveis, como relações entre epistemes, estéticas e éticas de espíritos livres. O movimento é a condição do conhecimento. Conhecer não é elaborar um discurso sobre o outro. Não é representar o outro. Isto é poder. Isto não é um cachimbo. Conhecer é um modo de interagir reflexivamente com alteridades reflexivas e criativas. Trocas de condições e de perspectivas. Conhecer é criar multivocalidades com outros. Regimes de diferenças criativos entre outros. Relações de liberdade. A cumplicidade é o estatuto político da aliança epistemológica deste desafio. Com medo dos outros, não há conhecimento. Tentar superar o medo, o desprezo, o horror à diferença, é sempre decisivo. As formas da alteridade são irredutíveis às nossas categorias. Reconhecê-las, dialeticamente, pode ser a pior das violências. O reconhecimento mata. Elabora política de identidade. Política de desmoralização. Socialidade contra o Estado. Desentendimento é o caminho correto. Um não rotundo à guerra. Éticas, estéticas e epistemes são sempre locais, a despeito de seus possíveis delírios de pretensão absoluta, as conexões locais em rede são o destino inescapável, obrigações recíprocas que obrigam às fugas, a fuga é a condição. Somos todos parentes e parente é serpente. Diante do Outro, a relação é um entre. Entre lugares. Nisso, o movimento é o esforço de se situar no campo intensivo das diferenças e a partir dele, ou seja, por meio do trabalho de campo e do campo enquanto lugar de pertencimentos fugidios e múltiplos para a prática da pesquisa etnográfica. Um situar-se que não é apenas enervante, mas um localizar-se, um exercício intensivo do senso de localização que caracteriza o bom trabalhador de campo que deve, portanto, mantê-lo aguçado. Estar no campo é buscar ocupar o lugar-limite em torno de eventos de não compreensão, a explicitação das relações de descompreensão é compreender o Outro, imaginando os diversos mundos, entre modos de criatividade. Pesquisar é habitar a zona de desconforto onde as próprias convicções são problematizadas, relativizadas e transformadas no devir outro, no devir nativo da criatividade do Outro. Não há como realizar isso, incólume, sem ser afetado por mudanças de caráter existencial. Como disciplinas de campo, ciências empíricas, Sociologia e Antropologia, de Mauss a Lévi-Strauss, estão entre aquilo que a fenomenologia e o estruturalismo antropológico deixam escapar. A ciência social do observado é uma micropolítica descritiva e autodescritiva com virtualidades minoritárias vazando por todos os lados. Pensar relacionalmente as relações sociais é adotar o primado da relação como método. Os termos das relações não preexistem a elas. São coetâneos, produzidos por elas. Destarte, a produção social e a produção do desejo são imediatamente constituintes. Há pressuposição recíproca e um sistema social aberto de causação circular não-totalizável. Numa perspectiva pós-estruturalista, que não é pós-moderna, em vez de fragmentação, o socius é concebido como campo social aberto, a noção de sistema não é abandonada, mas redimensionada de modo radical, como método, estrutura é um método de análise. Ocorre que não mais se considera a invariância na base do modelo. A variação cultural contínua passa a operar como a questão central de um modelo dispersivo das relações sociais. Subjetivação e objetivação das relações sociais. Analítica da dispersão. Neste sentido, a teoria geral do objeto é um péssimo ponto de partida para a prática da pesquisa. O geral não existe sem processos de objetivação, unificação, neutralização, reificação ou centralização que produzem entidades. Então, fazer a teoria do geral, seria aderir aos discursos do estatismo, permitir que o pensamento de Estado invada, colonize, aproprie-se do ponto de vista da analítica da experiência, matando-a. O universo de lutas funciona com meios simbólicos, meios de fantasia e modos de imaginação moral que produzem a realidade social, um mero efeito do campo histórico da luta que a produz como dado. Uma política de existência é uma afirmação de diferença. Uma diferença não é uma coisa, não é um bem, não é um atributo de um sujeito. Diferenças são relações. Relações de alteração e altercação. O gosto pelo singular é o que move a política de diferenças, de distâncias relativas e exclusões relacionais. Políticas de saber contra-hegemônicas precipitam existências anti-identitárias e conjuram os regimes morais fóbicos. Conhecer é lutar contra quaisquer microfascismos, começando sempre pelos nossos, os mais recônditos.

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