sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

A teoria social em tempos sombrios

Se a existência de populações inteiras estão sendo postas em risco, num ataque violento da capitalismo autoritário, conservador e neoliberal, o que seria de se esperar da existência de nós, cientistas sociais, como fazendo parte desse alvo de destruição?

domingo, 17 de janeiro de 2021

O efeito de ser rotulado pelo outro de "relativista", quando o outro é estimado

Nos últimos tempos, a questão das relações entre ciências naturais e ciências sociais se tornou um tema apaixonante para mim. Tenho lido muito a respeito, tentando compreender minimamente como o círculo do entendimento parece afetar os dois lados dessa história. Gostaria apenas de chamar a atenção para um fato que observei. Quando cientistas sociais que são conhecidos por serem perspectivistas radicais estão entre si, apenas entre cientistas sociais, costumam adotar uma postura e uma linguagem que é muito diferente quando são obrigados a dialogar com cientistas da natureza e de exatas. Se tornam mais ponderados, mudam a linguagem, abandonam os radicalismos, fazem de tudo para não cometerem desvios de linguagem que firam as noções básicas da linguagem teórica das ciências físicas etc. Então, percebemos assim que entre nós somos muito performáticos no nosso radicalismo desconstrutor e construcionista. Contudo, diante da alteridade cientifica de cientistas naturais, ficamos cautelosos, moderados, como medo de errar e passar vergonha. Estou falando aqui de colegas famosos que passaram por esse tipo de situação. É algo que me chamou a atenção, vendo uns vídeos pelo Youtube de situações desse tipo. Penso que nós, cientistas sociais, precisamos fazer um esforço para compreender e dialogar com nossos colegas das ciências naturais. Mas sem esquecer que nós nos dedicamos a estudar comunicação simbólica, relações de poder e agenciamentos na vida social humana, fora desse núcleo central temos que ter cuidado para não falar tanta besteira. Fora desse núcleo central, temos mais é que aprender a escutar.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Embates entre branquitudes críticas e negritudes críticas

O conflito intergeracional no campo acadêmico desde que universidade e campo científico se integraram no pós-segunda guerra foi o mais sensível de todos, pois envolvia o problema de formação de gerontocracias na academia e nas ciências. Mas isso dizia respeito à interação entre homens brancos mais velhos e homens brancos recém-chegados. A questão de gênero que discute mulheres nas ciências e nas universidades pressionou politicamente a partir dos anos 1960 para que se discutisse que as gerontocracias em torno do big man (homem branco do Norte Global ou ocidentalizado nas margens) era excludente das mulheres. Mesmo com as mulheres produzindo ciência e tocando a universidade com alta qualidade, elas eram quase sempre preteridas das lideranças e chefias. O recorte Norte global e Sul global também veio problematizar as relações entre centros universitários de pesquisa e os países "em desenvolvimento" ou "subdesenvolvidos". Mais recentemente, pesquisadoras cujos corpos são generificados e racializados como negras no sistema moderno gênero/colonialidade, vieram nos mostrar que se havia sentimento de exclusão do homem branco recém-chegado na luta pelo poder e na integração junto às gerontocracias acadêmico-científicas, e as mulheres brancas do Norte global lutaram para entrar no jogo, e os pesquisadores homens quase todos brancos ocidentalizados dos países ex-colônicas também pressionaram para entrar no jogo, isso tudo se deu pela exclusão das mulheres negras do jogo. Neste momento, o dilema parece ser duplo. A versão liberal pela demanda de participar no jogo de poder, rompendo com lugares de privilégios (um conceito liberal de esquerda) ou radicalizar gerando a emergência de ciências não brancas, novas onto-epistemologias e éticas, que reivindicam uma ruptura profunda com o racismo inerente da modernidade acadêmico-científica. Entre esses dois pólos, traçados aqui apenas para efeitos analíticos, há uma gama de variações em luta no próprio campo de luta antirracista. Tenho pensado muito sobre isso. Tenho também percebido que a oposição entre branquitude crítica e branquitude acrítica, elaborada pelos estudos de branquitude, tem sido lida no contexto da recepção brasileira com contornos próprios, diferentes do modo como funcionam nos EUA. Aqui, devido ao caráter mais profundamente racista da formação social brasileira, um racismo mais grave do que dos EUA e da África do sul, como reconheceu o próprio Mandela, os debates se tornaram dramáticos. Acirrados e dramáticos. Ocorre que, enquanto as negritudes críticas e as branquitudes críticas se batem, discutindo suas possibilidades de coalizão e as traições sistemáticas das branquitudes críticas em relação à efetividade da luta antirracista no país, as branquitudes acríticas vão montando com negritudes acríticas subalternizadas (Pele negra, máscaras brancas) por populismos de extrema-direita. E há também outro problema mais delicado: branquitudes críticas que são profundamente racistas e escondem isso de si mesmas e negritudes críticas que são retoricamente muito incisivas, mas seguem na política de branqueamento da academia branca, mesmo retoricamente esbravejando contra isso. Cenários bem complexos. Mas não estou me furtando de problematizar isso em sala de aula com estudantes. E tenho aprendido mais do que "ensinado". Mas escrever sobre isso é confusão garantida. Contudo, a omissão, a indiferença e o "não estou nem aí para isso", do ponto de vista da branquitude supostamente crítica, é uma atitude racista. Observação final da postagem: o título é enganoso, parece sugerir uma equivalência no embate. Há, a meu ver, equivalência de capacidades intelectuais e reflexivas, mas muitas desigualdades que fazem do embate, um embate ele mesmo racialmente hierarquizado. O poder de revide e de cancelamento das branquitudes "críticas" é muito maior nesse jogo. Mas está deixando de ser. O mundo está deixando de ser branco (supremacista). E isso é muito bom. Não estou pessimista quanto a isso. Meu pessismo é sobre como lidar com as maiorias acríticas de brancos e não brancos que seguem a supremacia branca em declínio da extrema-direita no mundo todo.

sábado, 4 de janeiro de 2020

A evidência

Os usos retóricos da palavra evidência para angariar efeitos de validação para defesas de ponto de vista em controvérsias públicas são uma ameaça aos usos problemtatizadores das ciências do mesmo vocábulo. Para a evidência estar remetida ao plano da consistência científica, a própria questão da evidência precisa estar tematizada pela demonstração. Estar contra o conceito evidente de evidência é uma atitude científica central. Como diz Latour, "a evidência nunca é evidente, ao menos no início; quanto ao indiscutível, ele é sempre discutido, ao menos no princípio" (Cogitamus, p.95).

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Práticas e praticantes

As práticas e seus praticantes. A realização da pesquisa em ciências sociais adota, na perspectiva praxiológica, os modos de existência e os regimes de signos a eles conectados como universo principal de descrição e análise. Mas o que é uma prática? Práticas são maneiras de agir, falar, sentir, pensar, habitar, que são ao mesmo tempo produto e meios simbólicos de estruturação da vida social. As práticas funcionam como um campo de historicidade. Portanto, um campo de práticas e um campo de historicidade são conceitos germinados.

Escolhas

O estilo de vida envolve escolhas, preferências, propósitos e desejos. Por vezes, somos escolhidos e escolhemos aquilo que nos escolheu. Haveria aí um tipo de destino subjetivo, como costumam dizer as teorias estruturalistas. Por outro lado, se é aceitável que as escolhas não podem ser de um sujeito livre, pois ninguém nasce livre, como afirmou Foucault em contraposição a Sartre, existe uma complexa relação entre crença e desejo nos fluxos do real. As crenças seriam formas de estabilizar os fluxos. Os desejos seriam motivadores para o agir. É nessa encruzilhada que se faz necessário pensar uma teoria do sujeito nas ciências sociais. Acho que é a única questão que me interessa ao longo do tempo. A relação entre o valor atribuído e a criação do valor no agir sociocultural. Esse problema teórico é uma paixão antiga. É algo que vai de Hegel a Nietzsche, passando pelo primado da existência que foi afirmado por Marx e Kierkegaard.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Eticidade versus moralidade

Não existe código de ética, apenas código moral. A eticidade é a recusa ativa do codificável.